Calf Note #255 – Resistência a antimicrobianos em bezerros recém-nascidos

Clique aqui para obter uma versão em PDF

Traduzido por: Ana Luiza Resende e Rafael Azevedo

Introdução

A resistência de bactérias a antimicrobianos é um grande problema na saúde humana e animal. A medicina humana e veterinária tem registrado incidência crescente de resistência a múltiplos medicamentos em patógenos (Pichichero e Casey, 2007; Bolan et al., 2012). A resistência antimicrobiana (RAM) está contida no material genético dos organismos, que pode ser compartilhado entre diferentes tipos de bactérias. A disseminação global de genes de resistência antimicrobiana, incluindo resistências emergentes a antimicrobianos de “último recurso”, como carbapenêmicos e colistina, é um problema mundial. Além dos patógenos, bactérias comensais também são reservatórios de genes de RAM e influenciam sua transmissão.

Escherichia coli (E. coli) é frequentemente encontrada no trato intestinal e nas fezes de bovinos e bezerros. Após cerca de 48 horas de vida, acredita-se que a E. coli não cause infecções nem seja uma causa importante de doenças em bezerros. Entretanto, pode transferir genes de resistência para cepas patogênicas de E. coli ou outros Enterobacterales que podem ser transmitidos aos humanos pela cadeia alimentar ou por efluentes ambientais, como esgoto (Marshall et al., 1990; Homeier-Bachmann et al., 2021).

A prevalência de E. coli resistente em bovinos leiteiros geralmente depende da idade, sendo mais alta em bezerros não desaleitados (Homeier-Bachmann et al., 2022). Estudo recente na Alemanha mostrou que 64% dos bezerros jovens em grandes fazendas leiteiras eliminavam E. coli resistentes, embora a maioria nunca tivesse recebido antimicrobianos (Weber et al., 2022). Com o avanço da idade e o desenvolvimento do rúmen, os bezerros tornam-se menos reservatórios de E. coli resistentes, já que a excreção nas fezes diminui (Liu et al., 2019; Springer et al., 2019).

Dada a dependência da idade para a presença de bactérias resistentes em bezerros jovens, é importante compreender a(s) fonte(s) de infecção por bactérias resistentes. O uso de leite de descarte de vacas tratadas com antimicrobianos é comumente identificado como um vetor para transmissão dessas bactérias (Liu et al., 2019; Calf Notes 162 e 193). No entanto, outras fontes também podem existir.

Neste Calf Note, revisaremos uma pesquisa da Alemanha que avaliou a transmissão de RAM via colostro.

A pesquisa

Bezerros Holandês (n = 15) nasceram em uma fazenda na Alemanha e foram separados imediatamente da mãe. Eles receberam 3 L de colostro previamente agrupado (todos receberam o mesmo colostro). Em seguida, foram transportados para a Universidade de Leipzig dentro das primeiras 24 h de vida e incluídos em um experimento não relacionado à medição de bactérias resistentes (estudo de desafio com Cryptosporidium parvum). Amostras fecais foram coletadas como parte desse estudo paralelo e testadas para presença de diversos tipos de bactérias.

Os pesquisadores descobriram que, no primeiro dia de vida, 14 dos 15 bezerros testaram positivo para E. coli resistentes, embora não tivessem tido contato entre si nem recebido antimicrobianos.

O estábulo, os equipamentos, utensílios de alimentação e veículos de transporte foram todos desinfetados antes e durante o experimento; portanto, a transmissão horizontal entre bezerros e a partir dos equipamentos, veículos ou estábulo parecia improvável. Além disso, a mãe foi descartada como fonte de E. coli, já que a prevalência nas vacas era baixa e as cepas de E. coli presentes nas fezes das vacas eram diferentes das dos bezerros.

Então, qual foi a fonte da contaminação? Os pesquisadores suspeitaram do colostro agrupado e/ou do equipamento usado para coletar, processar e fornecer o colostro. Eles coletaram uma amostra do colostro e swabs do equipamento utilizado. 

Resultados

O colostro agrupado e os swabs do balde de ordenha testaram positivo para E. coli resistentes. Os pesquisadores realizaram análises genéticas (“impressão digital”) para verificar se os organismos presentes nas fezes dos bezerros eram geneticamente idênticos aos do colostro e do balde. Em muitos casos, eram. Assim, concluíram que a principal fonte de contaminação foi o colostro – em si ou através do equipamento usado para coletá-lo.

Os autores levantaram a hipótese de que o principal responsável fosse o equipamento de ordenha. Essa suposição baseou-se na observação de que essas cepas de E. coli eram capazes de formar biofilmes, o que as protege de procedimentos típicos de limpeza (Homeier-Bachmann et al., 2021). Outros estudos já relataram que a lavagem e desinfecção inadequadas de utensílios de alimentação (mamadeiras, baldes, bicos) contribuem para a contaminação de bezerros com E. coli resistentes. Heinemann et al. (2021) encontraram E. coli resistentes na superfície interna de bicos de baldes de aleitamento e concluíram que as medidas de higiene em fazendas leiteiras eram inadequadas, favorecendo a disseminação dessas bactérias.

Resumo

Os resultados deste estudo são importantes. A resistência antimicrobiana de bactérias é um problema relevante tanto para a medicina veterinária quanto para a humana. O manejo em fazendas – especialmente no caso de bezerros jovens – para reduzir o risco de transmissão de E. coli resistentes é fundamental. Criadores e técnicos precisam garantir que todas as etapas de higienização do colostro, leite e equipamentos de aleitamento sejam rigorosamente seguidas. Bachmann et al. (2024) sugeriram que a presença de biofilmes no balde usado para coletar colostro pode ter sido responsável e apontaram pesquisas mostrando que biofilmes são comuns em utensílios de aleitamento em muitas fazendas leiteiras.

Está na hora de “reforçarmos nosso jogo” quanto à sanitização no aleitamento de bezerros para reduzir o risco de transmissão de genes de resistência antimicrobiana entre bactérias, incluindo aquelas importantes para a saúde humana e veterinária.

Referências

Bachmann, L., L. Weber, W. Liermann, H. M. Hammon, C. Delling, F. Dengler, K. Schaufler, M. Schwabe, E. Eger, K. Becker, A. Schütz, and T. Homeier‑Bachmann. 2024. Colostrum as a source of ESBL‑Escherichia coli in feces of newborn calves. Sci. Reports. 14:9929. https://doi.org/10.1038/s41598-024-60461-4.

Bolan, G. A., P. F. Sparling, and J. N. Wasserheit. 2012. The emerging threat of untreatable gonococcal infection. New Engl. J. Med. 366:485–487.

de Verdier, K., A. Nyman†, C. Greko and B. Bengtsson. 2012. Antimicrobial resistance and virulence factors in Escherichia coli from Swedish dairy calves. Acta Vet. Scand. 54:2. http://www.actavetscand.com/content/54/1/2.

Heinemann, C., C. D, Leubner, J. J. Hayer, and J. Steinhoff-Wagner. 2021. Hygiene management in newborn individually housed dairy calves focusing on housing and feeding practices. J. Anim. Sci. https://doi.org/10.1093/jas/skaa391.

Homeier-Bachmann, T. et al. 2021. Antibiotic-resistant Enterobacteriaceae in wastewater of abattoirs. Antibiotics (Basel). https://doi.org/10.3390/antibiotics10050568.

Homeier-Bachmann, T., J. F. Kleist, A. K. Schutz, and L. Bachmann. 2022. Distribution of ESBL/AmpC-Escherichia coli on a dairy farm. Antibiotics (Basel) https://doi.org/10.3390/antibiotics11070940.

Liu, J. et al. 2019. The fecal resistome of dairy cattle is associated with diet during nursing. Nat. Commun. 10:4406. https://doi.org/10.1038/s41467019-12111-x.

Marshall, B., D. Petrowski, and  S. B. Levy. 1990. Inter- and intraspecies spread of Escherichia coli in a farm environment in the absence of antibiotic usage. Proc. Natl. Acad. Sci. USA 87, 6609–6613. https://doi.org/10.1073/pnas.87.17.6609.

Oh, S., S. Ha, J.-H. Roh, T.-Y. Hur and J. G. Yoo. 2020. Dynamic changes in antimicrobial resistance in fecal Escherichia coli from neonatal dairy calves: An individual follow-up study. Animals. 10:1776. https://doi.org/10.3390/ani10101776.

Pichichero, M. E. and J. R. Casey. 2007. Emergence of a multiresistant serotype 19A pneumococcal strain not included in the 7-valent conjugate vaccine as an otopathogen in children. JAMA-J. Am. Med. Assoc. 298:1772–1778.

Springer, H. R. et al. 2019. Antimicrobial resistance in fecal Escherichia coli and Salmonella enterica from dairy calves: A systematic review. Foodborne Pathog. Dis. 16, 23–34. https://doi.org/10.1089/fpd.2018.2529 Weber, L. P. et al. 2021. Prevalence and risk factors for ESBL/AmpC-E. coli in pre-weaned dairy calves on dairy farms in Germany. Microorganisms 9:2135.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.