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Traduzido por: Paula Tiveron e Rafael Azevedo
Introdução
Bezerras recém-nascidas precisam receber colostro nas primeiras 24 horas após o nascimento para atingir níveis de imunoglobulinas no sangue e protegê-las contra patógenos causadores de doenças, como bactérias, vírus e protozoários. Sabemos a importância de fornecer o colostro de alta qualidade por muitos anos, mas a extensão da falha na transferência passiva (FTP; definida como concentrações séricas de IgG <10g/L quando avaliadas às 24-48 horas de idade) nos Estados Unidos eram desconhecidos. Além disso, os efeitos da FTP na mortalidade de bezerras têm sido amplamente relatados na literatura.
Em 1993, o Sistema Nacional de Monitoramento Animal (NAHMS) do USDA relatou os resultados do primeiro Projeto Nacional de Avaliação de Novilhas de Laticínios, o qual avaliou 1.811 fazendas em 28 estados e representou 78% da população de vacas leiteiras nos EUA. O estudo da NAHMS relatou que 41% de bezerras tinham FTP (USDA, 1993). Além disso, a sobrevivência de bezerras foi menor em bezerras com FTP em comparação com aquelas com transferência passiva de imunidade com sucesso (Figura 1). Esses dados tiveram grande efeito na indústria e foram feitos esforços nas universidades de extensão, veterinários, nutricionistas e outros especialistas em laticínios para melhorar o manejo do colostro na fazenda e a sobrevivência das bezerras. Estudos subsequentes realizados pelo NAHMS registraram o sucesso desses esforços nas taxas de FTP e na sobrevivência de bezerras. O mais recente estudo da NAHMS, realizado em 2014 (USDA 2016, 2018), indicou que apenas 13% das bezerras tinham FTP e quase 73% das novilhas tinham >15 g de IgG/L no soro (Urie et al., 2018a). Observe que a comparação entre os vários NAHMS é um pouco “complicada” porque diferentes populações de animais foram avaliadas. Para obter mais informações, consulte o Calf Note 143.
A pesquisa também indicou que a mortalidade de bezerras também diminuiu (Urie et al., 2018b), mas a taxa geral de morbidade de bezerras mudou pouco desde 1993 (Figura 2). Em 2014, aproximadamente 38% das bezerras tiveram pelo menos um evento de doença antes do desmame. A falta de alteração na morbidade pré-desmame enquanto a mortalidade de bezerras diminuiu sugere que os padrões de IgG sérica não respondem adequadamente aos eventos de doenças das bezerras.
Simplificando, enquanto o alvo de 10 g de IgG/L de soro é um bom alvo para a mortalidade de bezerras, mas parece não ter efeito na morbidade dos animais. Pensa desta maneira – o soro de 10 g/L às 24-48 horas de idade pode nos falar sobre o risco de morrer, mas realmente não nos diz muito sobre quando as bezerras ficam doentes. Bezerras com IgG sérica >10 g/L também adoecem, mas têm menor probabilidade de morrer. Isso sugere que nosso limiar de FTP pode ser adequado para prever bezerras com maior risco de mortalidade na fase de aleitamento, mas não é prescritivo para a morbidade das bezerras.
Em artigo publicado em 2020 no Journal of Dairy Science (Lombard et al., 2020), especialistas em bezerras revisaram a literatura existente e os resultados do estudo NAHMS para bezerras de 2014 e forneceu sua própria experiência profissional para propor novas recomendações sobre imunidade passiva em rebanhos leiteiros. Essas recomendações devem melhorar o manejo de recém-nascido na fazenda e fornecer aos produtores, veterinários, agentes de extensão e outros profissionais, parâmetros de referência para os quais podemos determinar o desempenho de uma fazenda.
O grupo de especialistas analisou novamente os resultados do estudo da NAHMS de 2014, especificamente em torno de opções para vários pontos de corte para concentrações séricas adequadas de IgG. Foram consideradas quatro opções e os dados de morbimortalidade foram reanalisados usando várias abordagens e agrupamentos estatísticos. As estatísticas para a opção finalmente adotada pelo grupo estão na Tabela 1. Como você pode ver, a % de morbidade diminuiu com o aumento de IgG sérica acima de 10 g/L. Geralmente, houve pouca diferença na mortalidade de bezerras acima de 18 g/L. Observe a proporção atual de bezerras em cada grupo. Como esses eram dados reais do estudo de 2014, o grupo de especialistas considerou que os padrões deveriam ser ambiciosos… ou seja, uma meta para os produtores alcançarem.
A última coluna da Tabela 1 mostra a nova recomendação para a porcentagem de bezerras em um rebanho que se enquadram nas novas categorias. Isso representa um desvio significativo do cálculo sim/não do sucesso/falha da transferência passiva (< ou > 10 g de IgG/L de soro) em que confiamos há muitos anos.
Observe que essas novas recomendações são baseadas em medidas no nível do rebanho. Qual é a diferença entre medidas no nível de bezerras e no rebanho? Uma medida no nível da bezerra é a medida específica de um animal individual e a medida no nível de rebanho é a proporção de bezerras na fazenda que se enquadram em categorias específicas. A avaliação de bezerras individuais pode dizer se essa bezerra está em maior risco, mas é necessário entender realmente o risco geral da fazenda (ou seja, no nível do rebanho), avaliar um subconjunto de bezerras para saber qual porcentagem se enquadra nas categorias relevantes. Isso é mais informativo e útil do que simplesmente observar os valores individuais dos animais.
É importante entender que, devido aos muitos fatores que afetam a capacidade de uma bezerra ingerir e absorver IgG, nem toda bezerra atingirá concentrações séricas de IgG acima de um limite crítico. Mesmo em pesquisas altamente controladas, em que as bezerras foram alimentadas com mais de 200 g de IgG nas primeiras 2 horas de vida, algumas bezerras podem falhar em absorver muita IgG em sua corrente sanguínea. Assim, espera-se que pelo menos uma pequena porcentagem de bezerras tenha falha na transferência passiva.
Aplicando na Fazenda
Para alimentar essa nova recomendação no nível do rebanho, os produtores devem estabelecer rotina para monitorar bezerras suficientes para calcular a % do rebanho nas várias categorias. Sugiro que os produtores estabeleçam um cronograma para coletar sangue de bezerras nas primeiras 48 horas, se possível. Geralmente, o sangue pode ser coletado até 5 dias após o nascimento, mas reconheça que a precisão das medições de Brix diminui à medida que a bezerra envelhece.
Para rebanho menores, faz sentido coletar amostra de todas as bezerras. Se você não tiver familiarizado com a coleta, centrifugação, e avaliação do sangue, trabalhe com seu veterinário para estabelecer um programa regular de coleta de sangue. Se você está monitorando cada bezerra, pode amostrar bezerras individuais. Não é uma boa ideia tentar preservar o sangue total, e o processo após a centrifugação é muito simples, portanto, é melhor apenas analisar cada bezerra com 1 ou 2 dias de idade.
Para rebanho maiores (maiores que, digamos, 500 vacas), você pode avaliar todas as bezerras (ou todas as outras bezerras) à medida que nascem, ou pode selecionar um ou dois dias por semana e avaliar todas as bezerras de um a três dias de idade naquele dia da semana.
É lógico selecionar um incremento de tempo para avaliar o seu manejo. Digamos, para começar, que você avaliará seu perfil uma vez por mês. Grandes rebanhos, coletando mais de 100 amostras por mês, podem avaliar seu manejo semanalmente. Você avalia os valores séricos de Brix e os insere em um banco de dados (por exemplo, planilha do Excel). Em seguida, você pode calcular a % de cada categoria. Verifique os dados periodicamente para ver se ocorrem alterações.
Em um futuro Calf Note, disponibilizarei uma planilha do Excel para produtores que desejam monitorar seus manejos.
Resumo
A recomendação de consenso é que os rebanhos tentem alcançar os seguintes objetivos para reduzir a mortalidade E a morbidade das bezerras:
- 40% do rebanho atinge >25 g de IgG/L de soro quando avaliado entre 24 e 48 horas de idade
- 30% do rebanho atinge 18,0 a 24,9 g/L
- 20% do rebanho atinge 10,0 a 17,9 g/L
- <10% do rebanho atinge <10,0 g/L
Referências
Lombard, J., N. Urie, F. Garry, S. Godden, J. Quigley, T. Earleywine, S. McGuirk, D. Moore, M. Branan, M. Chamorro, G. Smith, C. Shivley, D. Catherman, D. Haines, A. J. Heinrichs, R. James, J. Maas, and K. Sterner. 2020.Consensus recommendations on calf- and herd-level passive immunity in dairy calves in the United States. J. Dairy Sci. 103. https://doi.org/10.3168/jds.2019-17955.
Urie, N. J., J. E. Lombard, C. B. Shivley, C. A. Kopral, A. E. Adams, T. J. Earleywine, J. D. Olson, and F. B. Garry. 2018a. Preweaned heifer management on US dairy operations: Part I. Descriptive characteristics of preweaned heifer raising practices. J. Dairy Sci. 101:9168–9184. https://www.journalofdairyscience.org/action/showPdf?pii=S0022-0302%2818%2930566-6.
Urie, N. J., J. E. Lombard, C. B. Shivley, C. A. Kopral, A. E. Adams, T. J. Earleywine, J. D. Olson, and F. B. Garry. 2018b. Preweaned heifer management on US dairy operations: Part V. Factors associated with morbidity and mortality in preweaned dairy heifer calves. J. Dairy Sci. 101:9229–9244. https://www.journalofdairyscience.org/action/showPdf?pii=S0022-0302%2818%2930586-1
USDA. 1993. Transfer of maternal immunity to calves. National Dairy Heifer Evaluation Project. USDA-Animal and Plant Health Inspection Service (APHIS)-Veterinary Services (VS)-Center for Epidemiology and Animal Health (CEAH), Fort Collins, CO. Accessed Feb. 12, 2020. https://www. https://www.aphis.usda.gov/animal_health/nahms/dairy/downloads/ndhep/NDHEP_Immunity.pdf
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