Calf Note 194 – Mais “crescimento” equivale a mais leite?

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Autor: Jim Quigley

Traduzido por: Rafael Alves de Azevedo e Carla Maris Machado Bittar 

Introdução

O provérbio “mais leite equivale a mais leite” ganhou uma tração significativa na indústria de leite. Isso é, fornecer mais leite para as bezerras, antes do desaleitamento, resulta em maior produção de leite na primeira lactação e na produção de leite ao longo da vida, provavelmente em resultado da programação epigenética durante o importante período de aleitamento. Vários estudos propuseram que o fornecimento adicional de leite (ou sucedâneo) resulta em maior produção de leite futura (ex: Soberon et al. 2012; Soberon e Van Amburgh, 2013). Subsequentemente, outros tem reportado nenhum efeito do fornecimento de leite adicional (Morrison et al., 2009; Kiezebrink et al., 2015). Recente meta-análise (Gelsinger et al. 2016) sugeriu que o ganho de peso corporal (GPC) no período de aleitamento e não o consumo de leite per se foi importante para a produção de leite futura. Claro, o GPC no período de aleitamento aumenta com o aumento no fornecimento de leite (leite é altamente digestível e possui um excelente perfil nutricional). Entretanto, o GPC no período de aleitamento pode ser influenciado por outros fatores além da ingestão de leite (consumo de ração, doenças, manejo, estresse, ambiente, etc.). A observação de que o GPC é a chave da produção futura de leite não suporta a ideia que o consumo de um nutriente específico, hormônio ou fator de crescimento no leite integral contribui para uma modificação epigenética na bezerra para aumentar a produção futura de leite. 

Então, mais leite equivale a mais leite? Ou, maior crescimento (especialmente no período de aleitamento) equivale a mais leite? Embora ainda haja muito mais a aprender, dois recentes estudos contribuem para o nosso entendimento sobre a nutrição no período de aleitamento e produção de leite futura. Vamos dar uma olhada.

A pesquisa – Estudo 1

O estudo #1 foi publicado por Chester-Jones et al. (2017) no Journal of Dairy Science. Nesse estudo, dados de 2.880 bezerras foram analisadas. Cada bezerra fez parte de um dos 37 diferentes estudos conduzidos entre 2004 e 2012 pela University of Minnesota Southern Research and Outreach Center em Waseca, MN. Bezerros chegaram na estação experimental com cerca de 3 dias de idade e foram distribuídos a um tratamento experimental até retornarem para uma das 3 fazendas comercias de leite aos 195 dias de idade. Esse estudo difere de vários outros em que diferentes quantidades de leite foram testadas – ex: a maioria das bezerras nesse estudo foram alimentadas com 0,57 kg/dia de sucedâneo contendo 20% PB, 20% de gordura e foram desaleitados as 6 semanas de idade. Cerca de 10% das bezerras foram alimentadas em acelerado (ou melhorado) programa de fornecimento de sucedâneo. A maioria dos estudos avaliaram diferentes programas de fornecimento de concentrado, incluindo tipos e quantidades de nutrientes e formas físicas do concentrado. Após cerca de 2 meses de idade, todas as bezerras foram tratadas da mesma forma, e então, enviadas a uma diferente fazenda de crescimento, em torno de 6 a 7 meses de idade. As novilhas retornaram as suas fazendas de origem antes de parirem. Idade ao parto e a produção de leite na primeira lactação foram anotados pelas fazendas.

Os pesquisadores realizaram análise por modelo misto de regressão para avaliar os efeitos do peso corporal (PC) e o GPC até 6 ou 8 semanas de idade na produção de leite na primeira lactação (quantidade de leite, proteína e gordura). Além disso, separadamente, os autores avaliaram o efeito do consumo e a estação de nascimento na primeira lactação.

Os pesquisadores inicialmente compararam (regressão) o efeito do GPC de 0 a 6 semanas de idade (aproximadamente o tempo de desaleitamento para a maioria das bezerras) na primeira lactação. A relação foi altamente significativa (P < 0,05) e para cada 1 kg de GPC até 6 semanas, a produção de leite 305-dias aumentou em 456 kg. Esse achado é consistente com outros dados que reportaram que o crescimento no pré-aleitamento influencia a produção futura de leite. Excelente! Entretanto, quando olhamos a Figura 1, a situação parece um pouco menos clara. Parece haver uma grande variação em torno da linha de regressão. Enquanto a regressão é estatisticamente significativa, as implicações biológicas parecem ser menos claras. Como os autores escreveram: “Entretanto, apesar do alto grau de significância que encontramos, é difícil estar confiante nessa equação de predição, devido à grande variação em torno da estimativa (Erro Padrão = 229 kg…).”

Algumas observações interessantes feitas pelos pesquisadores foram:

O peso corporal foi melhor para predizer a produção do que o GPC.  Como podemos ver na Tabela 1, o PC parece ser melhor preditor da produção de leite do que o GPC. Por exemplo, a probabilidade do GPC entre 0-6 semanas de idade aumentar a produção de leite é de 0,03. Ou seja, existe uma probabilidade de 97% de que o aumento na produção de leite (543,7 kg) para cada kg de ADG não é devido a chance aleatória.  Entretanto, cada kg de PC até 6 semanas de idade aumentará a produção de leite na primeira lactação em 20,1 kg, sendo que a probabilidade de isso ocorrer aleatoriamente é de <0,0001%.  Como apontado pelos autores, existem vários estudos que indicam que bezerras grandes produzem mais leite quando vacas, que pode ser devido tanto ao crescimento como ao PC ao nascimento (ex: Ghoraishy e Rokouei, 2013.; Hoseyni et al., 2016). Além disso, Hoseyni et al. (2016) reportaram que bezerras nascidas de vacas multíparas produzem mais leite na primeira lactação quando comparadas a bezerras nascidas de vacas de primíparas. 

Houve muita variação de fazenda para fazenda. Quando os pesquisadores compararam os seus resultados para todas as fazendas, juntamente com um teste semelhante para cada fazenda, foram encontradas grandes diferenças. O efeito de GPC na primeira lactação, gordura e proteína produzida foi, geralmente, significantemente menor quando cada fazenda foi testada individualmente. Entretanto, em quase todos os casos, o PC as 6 ou 8 semanas de idade foi um preditor mais razoável da produção futura de leite do que o GPC até 6 ou 8 semanas para cada fada fazenda. Como os autores escreveram: “Essa grande variação sugere que fatores adicionais não contabilizados nessas análises afetam o desempenho na primeira lactação.”

Quando os autores compararam o efeito do consumo de concentrado (base na MS) na primeira lactação, eles encontraram efeito estatístico significativo. Para cada kg de concentrado adicional consumido até as 8 semanas de idade, as bezerras produziram 8,1 kg a mais de leite na primeira lactação. A média de consumo por bezerro (para todas as fazendas) foi de 44,4 kg de concentrado até 8 semanas de idade nesse estudo e elas produziram uma média de 10.959 kg de leite na primeira lactação. Portanto, se uma bezerra consumir 45,5 kg de concentrado do nascimento até 8 semanas de idade (+1 kg do que a média), nós poderíamos esperar que essa bezerra poderia na sua primeira lactação produzir 10,967 kg de leite (+8 kg). Entretanto, novamente a variação foi alta e claramente existem muitos outros fatores que afetam a produção na primeira lactação do que o consumo de matéria seca. 

Os autores concluíram este estudo escrevendo: “Embora nós encontramos altos graus de significância, foi difícil confiar nas equações de predição geradas para os parâmetros de crescimento das bezerras versus o desempenho na primeira lactação. Melhorias foram modestas e a variação foi alta, sugerindo que fatores adicionais não contabilizados nessas análises afetam o desempenho na primeira lactação.”

A pesquisa – Estudo 2

O segundo recente estudo, que avaliou os efeitos do consumo no período de aleitamento na produção future de leite (Korst et al., 2017), alimentou 57 bezerros Holandeses (29 fêmeas e 28 machos) do nascimento a 110 dias de idade. Após isso, as 28 fêmeas permaneceram na fazenda até a primeira lactação.

Os bezerros foram distribuídos em 1 de 3 grupos ao nascimento – sucedâneo restrito (SR, n = 20; 6,78 kg sucedâneo (11,5% sólidos)/bezerro por dia), sucedâneo a vontade (SAd, n = 17, 13,8% sólidos), ou leite integral à vontade (LAd, n = 20). Nos primeiros 3 dias, os bezerros consumiram colostro de suas mães. Dos dias 4 a 27, os bezerros foram alimentados de acordo com os seus respectivos tratamentos e do dia 28 a 55, todos os bezerros receberam sucedâneo até o desaleitamento aos 69 dias de idade.

O consumo total (69 dias de idade) de sucedâneo ou de leite foi de 48, 69 and 62 kg e o consumo de concentrado foi 51, 41 e 48 kg, respectivamente para os tratamentos sucedâneo restrito, sucedâneo a vontade e leite integral à vontade.

A Figura 2 mostra o desempenho dos animais até os 110 dias de idade. Os bezerros começaram o experimento em torno de 42 kg e apresentaram maior ganho de peso até os 27 dias, nos tratamentos sucedâneo e leite a vontade. Até os 27 dias de idade, os bezerros alimentados a vontade ganharam em média 8,3 kg de peso corporal a mais do que os bezerros alimentados com sucedâneo de forma restrita. Entretanto, até 70 dias, os bezerros alimentados com sucedâneo de forma restrita apresentaram o mesmo peso corporal que os demais grupos. A Tabela 3 demonstra uma história similar para o GPC – bezerros alimentados com sucedâneo e leite a vontade apresentaram o melhor GPC durante o primeiro período avaliado, porém, menor GPC no segundo período de forma que aos 70 d todos os bezerros tinham o mesmo peso corporal. O PC final aos 110 dias de idade foi similar entre os grupos. 

Os resultados de produção das bezerras na primeira lactação são apresentados na Tabela 3. Embora a produção de leite tenha sido NUMERICAMENTE maior, a probabilidade de diferença entre os tratamentos foi quase zero. A probabilidade da produção de leite diferir entre os tratamentos foi 0,92 – isso é, existe somente 8% de probabilidade que exista diferença real na lactação futura (9.217 vs. 9.064 vs. 8.452). A probabilidade que não tenha diferença numérica entre as produções futura é de 92%. Os autores escreveram que “No estudo 2, nós acompanhamos o desempenho das novilhas do estudo 1 até o final da primeira lactação, entretanto, o número de animais foi muito pequeno para permitir um poder estatístico suficiente.”  Baseado nesse relato, algumas das conclusões e cálculos nesse trabalho (Ex., diferenças observadas no estudo foram “reais” e similares a outros estudos da literatura) são difíceis de justificar.

É possível que se repetíssemos este estudo com um número maior de animais, poderíamos ser capazes de dizer com certeza que as diferenças foram “reais” (isto é, não devido a chance aleatória). Entretanto, não há como saber com certeza. Portanto, nós temos que concluir que não tem diferença entre os tratamentos para a produção de leite, de proteína e de gordura.

Resumo

O provérbio que “mais leite = mais leite” pode ser melhor definido como “maior crescimento = mais leite”.  Nutrição para otimizar a produção de leite ao longo da vida pode ser melhor provida pelo fornecimento de maiores quantidades de dieta líquida até o desaleitamento; entretanto, mais estudos na literatura sugerem que a nutrição na fase de aleitamento, fornecida por qualquer alimento líquido ou sólido, pode otimizar a produção de leite. A descoberta de Gelsinger et al. (2016), que a nutrição na pré-desaleitamento somente conta em 3% na variação de produção de leite na primeira lactação, sugere que nessa fase, o esforço e a energia para manejar a saúde das bezerras, a transição durante o desaleitamento e o crescimento na fase subsequente são bons investimentos. Outros também mostraram que muitos fatores além do consumo de leite (ou GPC), antes do desaleitamento, influencia a produção futura de leite. É essencial que foquemos em toda a fase de aleitamento das bezerras, permitindo que ela expresse o seu potencial genético. Evidências crescentes sugerem que o crescimento durante o aleitamento – se influenciados pelo consumo de leite, consumo de grãos, ambiente ou saúde – podem influenciar a produção de leite futura. Entretanto, bezerras grandes parecem produzir mais leite, então, o peso ao nascimento pode ser importante também.

Referências

Chester-Jones, H., B. J. Heins, D. Ziegler, D. Schimek, S. Schuling, B. Ziegler, M. B. de Ondarza, C. J. Sniffen, and N. Broadwater. 2017. Relationships between early-life growth, intake, and birth season with first-lactation performance of Holstein dairy cows. J. Dairy Sci. 100:3697–3704.

Gelsinger, S. L., A. J. Heinrichs, and C. M. Jones. 2016. A meta-analysis of the effects of preweaned calf nutrition and growth on first-lactation performance. J. Dairy Sci. 99:6206–6214.

Ghoraishy, S. H., and M. Rokouei. 2013. Impact of birth weight of Iranian Holstein calves on their future milk production and reproductive traits. J. Livestock Sci. Technol. 1:39–44.

Hoseyni, F., E. Mahjoubi, D. Zahmatkesh, and M. H. Yazdi. 2016. Effects of dam parity and pre-weaning average daily gain of Holstein calves on future milk production. J Dairy Res. 83:453-455.

Kiezebrink, D. J., A. M. Edwards, T. C. Wright, J. P. Cant, and V. R. Osborne. 2015. Effect of enhanced whole-milk feeding in calves on subsequent first-lactation performance. J. Dairy Sci. 98 :349–356.

Korst, M., C. Koch, J. Kesser, U. Müller, F.-J. Romberg, J. Rehage, K. Eder, and H. Sauerwein. 2017. Different milk feeding intensities during the first 4 weeks of rearing in dairy calves: Part 1: Effects on performance and production from birth over the first lactation. J. Dairy Sci. 100:3096–3108.

Morrison, S. J., H. C. F. Wicks, R. J. Fallon, J. Twigge, L. E. R. Dawson, A.R.G. Wylie and A. F. Carson. 2009. Effects of feeding level and protein content of milk replacer on the performance of dairy herd replacements. Animal. 3:1570–1579.

Soberon, F., E. Raffrenato, R. W. Everett, and M. E. Van Amburgh. 2012. Preweaning milk replacer intake and effects on long-term productivity of dairy calves. J. Dairy Sci. 95 :783–793.

Soberon, F. and M. E. Van Amburgh. 2013. The effect of nutrient intake from milk or milk replacer of preweaned dairy calves on lactation milk yield as adults: A meta-analysis of current data. J. Anim. Sci. 91:706–712.

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