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Autor: Jim Quigley
Traduzido por: Rafael Alves de Azevedo e Sandra Gesteira Coelho
Introdução
Leite de descarte – é o leite coletado de vacas logo após o parto e de vacas recentemente tratadas com antibióticos (durante o período de carência dos antibióticos, quando o leite pode conter quantidades excessivas de antibiótico) – é comumente usado como fonte de alimentação para bezerros.

De acordo com levantamento do USDA NAHMS Dairy (2014), mais da metade de todas as fazendas leiteiras e quase 70% de todas as bezerras são alimentas com leite (de descarte ou integral) antes da desmama, em algum momento durante seu plano de nutrição. Os levantamentos do USDA NAHMS não separam leite comercializável de leite não-comercializável (descarte), mas nós podemos assumir que a maioria do leite utilizado era provavelmente não comercializável (descarte).
Devido ao leite de descarte conter pelo menos algum tipo de antibiótico, a pergunta sobre desenvolvimento de resistência a antibióticos é comum. “Se nós fornecemos leite de descarte, o qual contém uma baixa e variável concentração de antibióticos, essa prática aumenta a chance das bezerras desenvolverem bactérias que são resistentes a antibióticos?”
Nós normalmente assumimos que uma certa concentração de antibióticos é requerida para induzir resistência a antibióticos nos animais. Se a concentração de um certo antibiótico em uma amostra de leite é muito baixa, as bactérias presentes no leite podem não ser afetadas e elas não irão desenvolver resistência a aquele antibiótico. Por outro lado, se a concentração é acima da concentração mínima inibitória (CMI), então o crescimento será prejudicado e as bactérias (no intestino) podem desenvolver resistência. Por outro lado, Gullberg et al. (2011) relataram que a concentração da droga até várias centenas abaixo do CMI de organismos susceptíveis pode aumentar a resistência das bactérias, mesmo quando presente em concentrações muito baixas. Portanto, parece ser possível que as concentrações de antibiótico encontradas no leite de descarte possam influenciar a resistência bacteriana a antibióticos em bezerros saudáveis.
Finalmente, demonstrou-se que os genes de resistência a antibióticos podem ser transferidos para bactérias presentes em outras partes do corpo, além do intestino. Isso pode ter muita significância se a resistência bacteriana é encontrada nos pulmões, onde o risco de infecção é grande, particularmente quando a ventilação não é otimizada.
A pesquisa
Pesquisadores da Universidade de Barcelona (Maynou et al., 2017) usaram bezerros de 8 fazendas de leite em um estudo. Bezerros em 4 fazendas foram alimentados com leite de descarte e bezerros nas outras 4 fazendas receberam sucedâneo de leite. A quantidade total de leite de descarte ou sucedâneo variaram entre o manejo normal nas fazendas, embora a maioria tenha fornecido 2 L por alimentação, duas vezes ao dia. As instalações dos bezerros também variaram entre as fazendas, apesar da maioria terem sido criados individualmente por um período, antes de serem movidos para grupos coletivos antes do desaleitamento. Os antibióticos tipicamente utilizados (e aqueles testados como parte do estudo) foram amoxicilina, ceftiofur, enrofloxacina, eritromicina, colistina, doxiciclina, florfenicol, imipenem e streptomicina.
Swabs fecais e nasais foram coletados de 20 bezerros em cada fazenda. As coletas foram realizadas em bezerros em torno de 42 dias de idade. Qualquer bezerro que tenha sido tratado antes dos 42 dias de idade com antibiótico para diarreia ou infecção respiratória foi excluído do estudo, para eliminar riscos de confundimento no estudo. Os swabs foram analisados para presença de resistência bacteriana a antibióticos.

Os resultados
Os tipos e as concentrações dos antibióticos no leite de descarte usados em cada fazenda não foram monitorados durante o estudo; portanto, não é possível determinar de forma inequívoca as concentrações para cada antibiótico no leite de descarte.
Os antibióticos usados pelas fazendas para tratar ou prevenir doenças foram incluídos como blocos no modelo estatístico. Entretanto, esse fator não teve nenhum efeito na proporção de E. coli resistente por bezerro.
O fornecimento de leite de descarte aumentou a proporção de isolados resistentes a enrofloxacina, florfenicol e streptomicina (Tabela 1). Em adição, o fornecimento de leite de descarte aumentou a porcentagem de E. coli fecal isolada que foram resistentes a multidrogas. A maioria das fazendas no estudo usaram enrofloxacina para tratar bezerros com diarreia e doenças respiratórias e streptomicina para tratar vacas com mastite. Por outro lado, somente 1 fazenda usou florfenicol e o aumento estatístico nos isolados resistentes não eram esperados. Os autores hipotetizaram que: “o uso de um antibiótico particular, pode selecionar uma população bacteriana a resistência a outro antimicrobiano.” A transmissão de genes de resistência de uma espécie de bactéria para outra bactéria já foi documentada.
A maioria das fazendas usaram um tipo de antibiótico betalactâmico, incluindo amoxicilina e ceftiofur para tratar mastite em vacas e para tratar diarreia e pneumonia em bezerros. Portanto, os autores esperavam altos níveis de resistência nas amostras fecais coletadas. Entretanto, não teve altos níveis de E. coli resistente nas fezes e não teve efeito do leite de descarte. Pelo menos para essa classe de antibióticos, outros causadores de resistência parecem estar envolvidos.
Por outro lado, resistência a doxiciclina e eritromicina foi bastante alta para E. coli fecal isolada nas fezes, apesar de doxiciclina não ter sido usada em nenhuma fazenda e eritromicina ter sido usada somente em 1 fazenda. Novamente, os autores hipotetizaram que a transmissão de genes resistentes de bactérias para bactérias pode ter ocorrido via contato entre animal para animal ou por consumo de alimento ou água contaminada. Animais de outras fazendas ou alimentos contendo bactérias resistentes pode ter teoricamente contribuído para a resistência verificada no estudo.
Em adição a avaliação de bactéria resistente a antibióticos no intestino, os autores coletaram amostras do trato respiratório e avaliaram a prevalência de Pasteurella multocida resistente em ambos os grupos. Entretanto, somente 36,5% das amostras nasais coletadas continham P. multocida. Assim, a estimativa da resistência microbiana foi mais difícil de determinar. Geralmente, a contribuição do fornecimento de leite de descarte para a resistência da P. multocida a antibióticos foi mínima. Somente a resistência a colistina foi aumentada na P. multocida presente na secreção nasal quando leite de descarte foi fornecido. Interessantemente, colistina foi usada somente em 1 fazenda para tratar bezerros doentes (problemas respiratórios e digestivos). Diferentes tipos de mutações bacterianas e transmissão horizontal (bactéria para bactéria) de genes resistentes tem sido reportado na literatura e foram hipotetizados devido ao grau de resistência da P. multocida nesse estudo.
Resumo
Fornecer leite de descarte, prática comum na indústria de leite, parece aumentar a resistência bacteriana a antibióticos presentes nas fezes de bezerros (mensurado em E. coli nesse estudo), e em menor grau, bactérias do trato respiratório (mensurado em P. multocida). Além disso, o alto grau de resistência de ambas as bactérias aos antibióticos que eram raramente utilizados ou nunca usados nas fazendas no estudo, sugere transmissão horizontal de genes de resistência a partir de outras bactérias no ambiente ou outros animais podem ter contribuído para a resistência bacteriana nos bezerros.
Referências
Gullberg, E., S. Cao, O. G. Berg, C. Ilbäck, L. Sandegren, D. Hughes, and D. I. Andersson. 2011. Selection of resistant bacteria at very low antibiotic concentrations. PLoS Pathog. 7:e1002158.
Maynou, G., A. Bach, and M. Terré. 2017. Feeding of waste milk to Holstein calves affects antimicrobial resistance of Escherichia coli and Pasteurella multocida isolated from fecal and nasal swabs. J. Dairy Sci. 100:2682–2694.