Calf Note 208 – Fatores de manejo e doença respiratória em bezerros pré-desaleitados

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Traduzido por: Paula Tiveron, Rodrigo Meneses e Rafael Azevedo

Introdução

Doenças em bezerros jovens – digestivas e respiratórias – são comuns, principalmente nos primeiros dois meses de vida. De acordo com a pesquisa mais recente do Sistema Nacional de Monitoramento da Saúde Animal (NAHMS) do USDA (2014), a mortalidade e morbidade no pré-desaleitamento nos Estados Unidos foram de 5% e 34% dos bezerros analisados. Revisei essas estatísticas no Calf Note #203. Os autores do relatório de pesquisa (Urie et al., 2018) relataram os principais fatores associados à doença no pré-desaleitamento.  

Um artigo do Journal of Dairy Science (Maier et al., 2019), relatou recentemente resultados de uma pesquisa com 100 fazendas leiteiras e fazendas de cria na Califórnia e avaliou os fatores associados à incidência de doença respiratória bovina (DRB). Este Calf Note revisará os resultados selecionados e implicações desta pesquisa interessante e importante. Mais informações estão disponíveis no artigo do Journal of Dairy Science (article).

A pesquisa

Fazendas leiteiras da Califórnia (n=105) foram visitadas de maio de 2014 a abril de 2016 para pontuar um número aleatório de bezerros e coletar dados biográficos, de alimentação e de manejo associados a cada animal. Em seguida, cada bezerro no estudo foi classificado para DRB usando o sistema de escore para DRB da Califórnia (Love et al., 2014). Os bezerros receberam uma pontuação para os seguintes sinais clínicos: 2 pontos para tosse, secreção ocular, dispneia ou temperatura retal ≥39,2°C; 4 pontos para descarga nasal; e 5 pontos para cabeça inclinada ou orelha caída. Um bezerro com ≥5 pontos foi considerado positivo para DRB.

É importante colocar em perspectiva as fazendas da Califórnia para entender os resultados relatados pelos pesquisadores. Primeiro, elas são fazendas grandes. O tamanho médio do rebanho neste estudo foi de 1.718 vacas e variou de 110 a 14.000 vacas. Eles também costumam alojar bezerros individualmente em casinhas, que podem ser construídas de metal ou madeira. No estudo, cerca de 92% dos bezerros foram alojados individualmente até logo após o desaleitamento (79 dias de idade) e foram para o alojamento em grupo (cerca de 80 dias de idade). A maioria dos bezerros eram alimentados com dieta líquida por balde ou mamadeira. Alimentadores automáticos são incomuns, principalmente em grandes fazendas. Também é comum fornecer um volume fixo de dieta líquida (geralmente 1,8 L) em cada uma das duas refeições diárias. Pode fazer calor no verão, principalmente no Vale Central. Portanto, estratégias para reduzir o estresse térmico, como sombras sobre as instalações, são comuns e demonstram melhorar a saúde e o desempenho dos bezerros.

Antes do desaleitamento é comum que as propriedades da Califórnia forneçam leite fresco, leite de descarte pasteurizado e/ou sucedâneo.   

Os Resultados

A prevalência de DRB em bezerros pré-desaleitados nas 100 fazendas leiteiras amostradas foi de 6,9%. Dos 4.636 bezerros avaliados, 320 tiveram resultados positivos para DRB. O intervalo nas fazendas foi de 0 a 37%. Não houve efeitos significativos da raça (Holandês = 7,2%; Jersey = 5,7%; outras raças = 5,7%), sexo (fêmeas = 6,4%; machos = 8,4%) ou sistema convencional vs. orgânico (6,9 e 7,8%, respectivamente).   

Os pesquisadores relataram que a idade influenciou a prevalência de DRB. Para bezerros <40, 40-75 e >75 dias, a prevalência foi de 4,5a, 10,6b, e 6,4ab%, respectivamente. Os sobrescritos (a, b, ou ab) indicaram diferenças estatísticas. Assim, a prevalência em bezerros com menos de 40 dias (4,5%) foi menor do que com bezerros entre 40 e 75 dias (10,6%) e a prevalência em bezerros mais velhos foi intermediária.

A região do estado também afetou a prevalência de DRB. Os autores dividiram o estado em três regiões (veja a Figura 1). A prevalência no norte da Califórnia, Vale de San Joaquin e Sul da Califórnia foi de 9,3a, 4,5b e 7,3a%, respectivamente.  Finalmente, o tamanho do rebanho também afetou a prevalência. A prevalência por tamanho de rebanho foi de 10,0, 5,7, 4,4 e 10,7% para rebanhos <250ab, 250-999ac, 1.000-3.999c e 4.000b ou mais vacas, respectivamente. Os sobrescritos indicam que os rebanhos entre 250 e 3.999 geralmente tiveram menor prevalência e os maiores e menores rebanhos tiveram prevalência mais alta. 

É importante entender que fazer predições a partir dessas variáveis individuais pode estar repleto de erros. Isso ocorre porque, por exemplo, mais rebanhos de tamanho médio podem estar localizados no Vale de San Joaquin, ou é possível que os rebanhos fossem visitados em épocas do ano em que o tempo estava melhor do que em outras épocas do ano. Portanto, essas variáveis geralmente estão relacionadas entre si, de modo que fazer predições sobre uma requer conhecimento sobre outra variável. Felizmente, existe uma abordagem melhor e mais sofisticada para determinar os fatores que estão realmente relacionados à DRB. Os pesquisadores usaram um modelo de regressão logística multivariada, a qual analisa os fatores e suas inter-relações para determinar a causa. É uma ótima abordagem estatística.

Fatores que aumentam o risco de DRB

Os autores relataram fatores de manejo que aumentaram o risco de bezerros pré-desaleitados desenvolverem DRB e aqueles que diminuíram esse risco. Fatores que aumentaram o risco de DRB incluíam água da lagoa de decantação para lavar as instalações; estação; instalações de metal; contato do bezerro com bezerros mais velhos e o fornecimento de dieta líquida para bezerros da raça Holandesa em quantidade <2,84 L/dia. Vamos analisar cada um por vez.

Água da lagoa de decantação. Algumas propriedades utilizam a água da lagoa para remover as fezes e a urina das instalações de bezerros (normalmente, as casinhas na Califórnia são elevadas acima do solo). O flushing ocorre uma ou duas vezes ao dia. A “razão de chances” da DRB ao usar a água da lagoa foi de 2,49. Isso significa que, em comparação com o não uso de flushing, os bezerros apresentaram chances 2,49 mais altas de desenvolver DRB. Observe que uma proporção igual a 1,0 significa que não há diferença entre o “referente” (o que você está comparando – neste caso, sem flushing) e o que você está medindo. Neste caso, uma razão de chances de 2,49 significa que esta é uma prática de manejo com forte relação com a incidência observada de DRB. Claramente, o uso de água contaminada para o flushing contribui para DRB. É possível que amônia, metano e outros compostos voláteis da urina na água da lagoa possam prejudicar a função respiratória e contribuir para DRB. Também existe a possibilidade de que patógenos respiratórios possam ser transmitidos por água contaminada. Vale ressaltar que o uso de água fresca não foi associado ao aumento da incidência de DRB. 

Estação. Os bezerros testados no outono tiveram maiores chances de DRB em comparação à primavera. Outras comparações não foram importantes. É provável que o clima mais variável de outono tenha contribuído para estresse adicional e bezerros predispostos a DRB.

Instalações de metal. Na pesquisa, o termo “instalações de metal” se referia a variáveis estruturas – instalações com telhados metálicos, instalações sem telhados, mas dentro de uma estrutura como galpão e outras estruturas. Portanto, é difícil afirmar claramente o que contribuiu para o aumento da incidência de DRB. Talvez uma combinação de calor no verão e telhados de metal possa causar estresse térmico significativo e prejudicar a resposta imune do bezerro, predispondo-o a DRB. 

Contato bezerro com bezerro. Permitir que bezerros mais velhos toquem um ao outro estava associado a um risco aumentado de DRB nessas fazendas. Quando os bezerros estavam >75 dias nas instalações e permitiam tocar em outros bezerros, as chances de um bezerro contrair DRB eram aumentadas em comparação aos bezerros mais jovens que podiam se tocar. Além disso, todos os bezerros com mais de 75 dias de idade tiveram chances quase três vezes maiores de DRB do que aqueles com menos de 40 dias de idade. Finalmente, bezerros com idade entre 40 e 75 dias apresentaram chances 3 vezes maiores de DRB em comparação com bezerros com idade <40 dias. Claramente, idade, desenvolvimento do sistema imunológico, exposição e contato entre bezerros são importantes preditores de DRB nessas fazendas.

Muito pouca dieta líquida. Os autores relataram relações significativas entre a quantidade de dieta líquida fornecida antes do desaleitamento e a raça do animal. Eles compararam as chances de DRB em bezerros Jersey ou Holandês, ambos alimentados com <2,84 L/dia de líquido. As chances de DRB foram muito maiores nos bezerros da raça Holandesa, sugerindo que esse volume de dieta líquida pode ser muito baixo para manter a imunidade no bezerro maior da raça Holandesa. De fato, o cálculo dos requisitos de energia de mantença sugere que 3 L/dia de sucedâneo não fornecerão energia suficiente para a energia de mantença sob muitas condições práticas. No entanto, os autores alertaram que houve muito poucos bezerros alimentados com essas quantidades de líquido em seu banco de dados e os resultados precisavam ser interpretados com cautela.

Fatores que diminuem o risco de DRB

A análise do estudo encontrou vários fatores de manejo associados a menores chances de bezerros terem DRB. Estes incluíram sombra, alimentação com leite pasteurizado, aumento da dieta líquida, principalmente para bezerros Jersey. Vamos olhar para cada um.

Sombra. O uso de sombrites acima das instalações (a maioria das quais estavam ao sol) reduziu as chances de DRB nas fazendas avaliadas. A razão de chances foi menor quando sombra com ventilação suficiente foi usada. Esta diferença foi altamente significativa, sugerindo que a redução da exposição ao sol e à precipitação ajudou a manter a resposta imune e a reduzir as chances de contrair DRB.

Alimentação com leite pasteurizado. A alimentação com leite pasteurizado reduziu significativamente as chances de os bezerros desenvolverem DRB em comparação com o leite não pasteurizado. Isso faz todo o sentido, pois a pasteurização do leite de descarte é eficaz na redução da carga microbiana e de possíveis patógenos. É uma prática importante em todas as fazendas leiteiras que usam leite de descarte.

Alimentação com leite comercializável. Se um bezerro foi alimentado com pelo menos 90% de leite comercializável por sete dias ou mais antes da visita do pesquisador, foi considerado que ele estava recebendo este tipo de leite. Assim como o fornecimento com leite pasteurizado, esses bezerros tiveram chances significativamente menores de ter DRB em comparação ao leite de descarte (pasteurizado ou não pasteurizado). Supostamente, a razão biológica para isso é semelhante à alimentação com leite pasteurizado.

Quantidade de dieta líquida fornecida. Alimentar bezerros Jersey >5,8 L/dia de leite foi associado a menores chances de DRB. Como bezerros Holandeses alimentados com <2,8 L/dia de leite havia poucos dados, os autores alertaram que os resultados precisavam ser interpretados com cautela. 

Fatores sem efeito na DRB

Os autores mediram várias variáveis, mas descobriram que elas não afetaram a incidência de DRB em seu estudo. Algumas delas incluíram manejo do colostro (quantidade, tipo e pasteurização) e vacinação de bezerros ou vacas. É possível que geralmente haja poucas diferenças entre fazendas, o que dificulta o cálculo das razões de chances. Intuitivamente, entendemos que o manejo adequado do colostro e programas de vacinação são importantes ferramentas para minimizar o risco de DRB.

Resumo

Minha interpretação desses dados aponta para um aspecto crítico do manejo de bezerros – o estresse. A instalação adequada, incluindo sombra para minimizar o estresse por calor e frio (ou seja, evitando telhados metálicos), pode ajudar bastante a reduzir as chances de bezerros desenvolverem DRB. Como? Provavelmente está associado à redução do estresse e ao apoio ao sistema imunológico do bezerro. O mesmo vale para o fornecimento de pouca dieta líquida a bezerros Holandeses. Esta não é uma estratégia de alimentação comum, este estudo (e muitos outros) indicou que a alimentação de bezerros para ou abaixo das necessidades energéticas de mantença pode ter um impacto profundo na imunidade. 

Os outros fatores que penso em relação ao risco de doença são a competência do sistema imunológico e a exposição do bezerro. Claramente, a alimentação com leite pasteurizado ou comercializável reduziu a exposição e o risco de DRB. O uso de água contaminada para lavar as instalações provavelmente prejudica a imunidade e pode aumentar a exposição. Em geral, parece ser uma má ideia.

O modo como alimentamos, alojamos e manejamos bezerros pré-desaleitados tem efeitos significativos em seu risco de doença. Cada vez mais entendemos que as doenças durante os primeiros meses de vida podem ter efeitos a longo prazo na produção futura de leite e, finalmente, na lucratividade da fazenda leiteira.

Referências

Love, W. J., T. W. Lehenbauer, A. L. Van Eenennaam, C. M. Drake, P. H. Kass, T. B. Farver, and S. S. Aly. 2016b. Sensitivity and specificity of on-farm scoring systems and nasal culture to detect bovine respiratory disease complex in preweaned dairy calves. J. Vet. Diagn. Invest. 28:119–128. https://doi.org/10.1177/1040638715626204.

Maier, G. U., W. J. Love, B. M. Karle,  S. A. Dubrovsky, D. R. Williams, J. D. Champagne, R. J. Anderson, J. D. Rowe, T. W. Lehenbauer, A. L. Van Eenennaam, and S. S. Aly. 2019. Management factors associated with bovine respiratory disease in preweaned calves on California dairies: The BRD 100 study. J. Dairy Sci. 102 (In press) https://doi.org/10.3168/jds.2018-14773.

Urie, N. J., J. E. Lombard, C. B. Shivley, C. A. Kopral, A. E. Adams, T. J. Earleywine, J. D. Olson, and F. B. Garry. 2018. Preweaned heifer management on US dairy operations: Part V. Factors associated with morbidity and mortality in preweaned dairy heifer calves. J. Dairy Sci. 101:9229–9244.

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