Calf Note 203 – Morbidade e mortalidade pré-desaleitamento nos EUA

Clique aqui para uma versão em PDF

Traduzido por: Paula Tiveron, Rodrigo Meneses e Rafael Azevedo

Introdução

O Sistema Nacional de Monitoramento de Saúde Animal do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (NAHMS) realiza pesquisas anuais sobre a agropecuária nos Estados Unidos. De tempo em tempos, realizam pesquisas sobre práticas de manejo de bezerras e novilhas. É uma oportunidade fantástica para entender o “estado da indústria” nos EUA e, usando dados de estudos anteriores, determinar a taxa de mudança em termos biologicamente e economicamente importantes.

Em 2018, uma série de manuscritos foram publicados no Journal of Dairy Science, que forneceu os resultados dos mais recente estudo do NAHMS sobre o tratamento de bezerras antes do desmame. Esses artigos relatam os resultados de investigação e fornecem informações importantes sobre como estamos indo como uma indústria nos EUA. Esse Calf Note revisará os fatores que influenciam a morbidade e a mortalidade pré-desmame nas fazendas de leite nos EUA.

A Pesquisa

Durante 2014, o USDA pesquisou 104 fazendas leiteiras diferentes em 13 estados. As fazendas foram divididas em Oeste (Califórnia, Colorado e Washington) e Leste (Iowa, Michigan, Minnesota, Missouri, Nova York, Ohio, Pensilvânia, Vermont, Virgínia e Wisconsin). A pesquisa durou mais de 1,5 anos e acompanhou bezerras desde o nascimento até o desmame. Os dados foram coletados em um total de 2.545 bezerras. (OBS.: É importante lembrar que os dados refletem práticas de manejo para bezerras e não podem ser aplicados ao manejo de bezerros, ou de fazendas que criam tourinhos). Os pesquisadores monitoraram a sobrevivência e a saúde das bezerras, bem como muitas práticas diferentes de manejo, meio ambiente e alimentação. Em seguida, eles avaliaram os dados estatisticamente para determinar quais fatores afetaram desfechos importantes, incluindo morbidade e mortalidade. A maioria das bezerras eram da raça Holandês (89%) e o restante, Jerseys ou Jersey X Holandês, com uma pequena proporção de outras raças leiteiras. Mais informações sobre os métodos usados para coletar informações das fazendas estão disponíveis em Urie et al. (2018a).

Mortalidade das Bezerras

A mortalidade de bezerras no pré-desaleitamento é uma perda econômica importante para a fazenda. É também uma importante consideração para o bem-estar animal. Assim, entender o estado atual da indústria, bem como os fatores que influenciam a mortalidade de bezerras no pré-desaleitamento, é essencial para melhorar nosso manejo para minimizar essa perda econômica.

As bezerras foram registradas pela fazenda e – o que é importante – precisavam estar vivas às 24 horas para serem incluídas no estudo. Portanto, bezerras que morreram antes de 24 horas foram excluídas do estudo. Ou seja, natimortos não foram considerados nas estatísticas.

Das 2.545 bezerras incluídas no estudo, houve um 128 mortes antes do desaleitamento (o desaleitamento ocorreu em média aos 66 dias de idade), ou um total de 5% de mortalidade de bezerras. As causas de morte estão na Tabela 1.

A maior parte da mortalidade (32% de toda a mortalidade) foi causada por doença digestiva, que é tipicamente registrada como diarreia de bezerros. Algumas bezerras também morreram de uma combinação de diarreia e doença respiratória (7% da mortalidade de bezerros). Assim, as doenças digestivas são uma importante área de concentração para melhorar a saúde da bezerra e reduzir a mortalidade.

A maioria da mortalidade de bezerras ocorreu nas primeiras 3 semanas de idade. As bezerras que morrem de diarreia tendem a morrer mais cedo do que aquelas com causas respiratórias ou desconhecidas. Isso provavelmente está relacionado aos tipos de organismos causadores da doença e seu período de incubação.

Os fatores que influenciaram a mortalidade de bezerras no estudo do NAHMS incluíram peso corporal ao nascimento, concentração sérica de IgG, quantidade de gordura na dieta líquida (em kg/dia) e se a bezerra também tinha doença antes do desaleitamento.

Peso ao nascimento afetou a mortalidade. Bezerras menores tendiam a morrer em maior frequência do que bezerras maiores. Por exemplo, os autores (Urie et al., 2018b) compararam bezerras pesando 35 e 45 kg ao nascimento. As mortalidades previstas foram 4,7 e 2,3%, respectivamente. Dentro da raça, as bezerras que foram expostas ao estresse, enquanto no útero (por exemplo, estresse por calor) tendem a nascer menores e têm um risco maior de mortalidade. Além disso, bezerras que têm uma idade gestacional mais jovem ao nascer terão menos desenvolvimento de órgãos e tecidos, o que também pode contribuir para o aumento da mortalidade.

A IgG sérica também afetou a mortalidade de bezerras. Como esperado, as bezerras com maiores concentrações séricas de IgG tiveram menor risco de mortalidade em comparação as bezerras com menos IgG sérica. Como observado no artigo, bezerras com 8 g/L de IgG sérica (indicativo de falha de transferência de imunidade passiva) tiveram um risco de mortalidade de 5,2%, enquanto bezerras com 30 g/L (indicativo de excelente imunidade passiva) tiveram 2,0% de risco de mortalidade. Claramente, o investimento no manejo adequado do colostro gera grandes dividendos na redução do risco de mortalidade das bezerras.

O aumento da quantidade de gordura fornecida as bezerras também foram associadas com menor risco de mortalidade. Bezerras alimentadas com mais gordura tiveram menor risco de mortalidade. No entanto, é importante colocar essa observação em perspectiva. A quantidade de gordura fornecida as bezerras foram agrupadas em uma das três categorias: ≤0,15 kg/d, 0,16-0,21 kg/d e ≥0,22 kg/d. Vamos ver o que isso significa em relação à quantidade de alimento líquido fornecido às bezerras. Por exemplo, se nós fornecemos um sucedâneo contendo 20% de gordura, com base na matéria seca, fornecendo-se 0,15 kg de gordura por dia é equivalente a 750 g de sucedâneo de leite por dia. Quando o leite é fornecido (3,7% de gordura na base líquida), isso equivale a aproximadamente 4 kg de leite por dia.

Os autores não notaram diferença entre alimentar uma quantidade moderada de gordura (0,16-0,21 kg/d) e maiores quantidades de gordura (≥0,22 kg/d), sugerindo que a chave nesta observação é quando as bezerras são alimentadas com pouca gordura (≤0,15 kg/d). Neste caso, pode haver pouca energia disponível para suportar a manutenção e o ganho de peso corporal. Maiores quantidades de gordura não parecem continuar a reduzir o risco de mortalidade. Vários estudos que existem na literatura sugerem que quando as bezerras são alimentadas com pouca energia antes do desmame (ou seja, abaixo do consumo de mantença), a imunidade pode ser deprimida e a bezerra é mais suscetível a doença. Assim, parece lógico que a mortalidade da bezerra possa ser aumentada se a quantidade total de nutrientes for menos que algum nível crítico.

Finalmente, a mortalidade de bezerras aumenta drasticamente quando as bezerras experimentam alguma doença antes da morte. Quando uma bezerra adoeceu antes do desmame, ela teve cerca de 4,6 vezes mais chance de morrer do que uma bezerra que não apresentou sinais de doença.

Morbidade das Bezerras

O estudo do NAHMS também avaliou quais fatores estavam associados à doença das bezerras (morbidade). A Tabela 2 mostra uma análise dos sinais clínicos relatados associados à morbidade. Observe que algumas bezerras tiveram mais de um caso de doença e alguns mostraram vários sinais clínicos.

De todas as bezerras incluídas no estudo, 33,8% tiveram pelo menos um caso relatado de doença e 6% das bezerras tiveram mais de um episódio de doença. Mais da metade (56%) dos casos foram devidos a sinais digestivos (geralmente a diarreia). A idade em que as bezerras desenvolveram a doença também foi relatada e é mostrada na Figura 1. Para a doença digestiva, as maiores incidências ocorreram quando as bezerras tinham 1 ou 2 semanas de idade. Geralmente vejo isso em fazendas de todo o mundo. Vírus comuns (rotavírus e coronavírus) e protozoários (Cryptosporidium parvum) podem infectar bezerras no início da vida e têm períodos curtos de incubação. Assim, os sinais clínicos são geralmente aparentes nas primeiras semanas de vida. Os sinais de doença respiratória (linha laranja na Figura 1) tiveram um pico ao redor de 5 semanas de idade e, em seguida diminuíram gradualmente até o final do estudo com 10 semanas de idade.

Quais fatores influenciaram a morbidade das bezerras antes do desmame? Os autores consideraram muitas variáveis potenciais, mas quatro foram estatisticamente significantes na análise – peso ao nascimento, concentração de IgG, ventilação na instalação e temperatura ambiente.

O maior peso ao nascer foi associado com menor mortalidade. Utilizando o modelo estatístico desenvolvido em suas análises, os autores calcularam que uma bezerra de 35 kg apresentava um risco de morbidade previsto de 40,0% enquanto uma bezerra com peso ao nascer de 45,0 kg apresentava um risco de morbidade previsto de 31,2%. Como o modelo de mortalidade de bezerras, isso se deve provavelmente ao fato de as bezerras menores estarem expostas a estressores uterinos ou terem nascido cedo.

O aumento da IgG sérica diminuiu o risco de bezerras adoecerem. De acordo com o modelo estatístico, uma bezerra com concentração sérica de IgG de 8 g/L apresentou um risco de 40,3% de adoecer, enquanto uma bezerra com 30 g/L de IgG sérica apesentou uma chance de 29,3% de doença antes do desmame. Um bom programa de colostro vale definitivamente o investimento! Um pouco de planejamento para desenvolver um protocolo que possa ser fácil e consistentemente implementado na fazenda é muito importante para o sucesso da criação de bezerras. É uma boa resolução de Ano Novo para desenvolver ou revisar seu programa de colostro. Suas bezerras vão agradecer!

Uma observação interessante aos dados foi a relação entre a ventilação e a morbidade da bezerra. Os pesquisadores relataram que as bezerras que foram alojadas em instalações que usam ventilação mecânica (não ventilação natural) tiveram 2,218 vezes mais chance de desenvolver doenças em comparação a bezerras alojadas em sistemas de ventilação natural. Essa observação sugere que bezerras alojadas em locais fechados geralmente utilizariam ventilação mecânica e, portanto, os potenciais problemas com pouca ventilação e aglomeração em instalações internas poderiam estar associados a aumento do risco de doenças.

Finalmente, a temperatura ambiental afetou o risco de doença. Os autores usaram o índice de temperatura e umidade para incluir temperatura e umidade no cálculo. Os autores escreveram: “O ITU explica os efeitos da temperatura e da umidade relativa, e a equação usa a temperatura de bulbo seco (T, °F) e a umidade relativa (UR). A equação usada para essa análise foi ITU = T – [0,55 –(0,55 x UR/100)] x (T-58).” Eles relataram que o ITU estava inversamente correlacionado com o risco de doença. Um ITU de 20, abaixo da zona termonêutra da bezerra, foi associado com um risco de morbidade de 39,5% enquanto um ITU de 70 teve um risco de morbidade previsto de 29,1%. Isso é consistente com a ideia de que as bezerras são mais suscetíveis a doenças quando suas necessidades nutricionais (especialmente energia) não estão sendo atendidas completamente. Isto reforça a necessidade de garantir que as bezerras entejam recebendo calorias suficientes durante o tempo frio.

Resumo

A saúde e a sobrevivência de bezerras pré-desaleitadas são critérios chave para monitorar o sucesso de um programa de bezerras. Quando os processos de criação de bezerras estão “no controle”, a morbidade e a mortalidade das bezerras devem ser baixas (< 25% de morbidade e < 5% de mortalidade) para todos os animais nascidos vivos nas fazendas. O USDA relatou morbidade e mortalidade de bezerras pré-desmame de 33,8% e 5%, respectivamente em 2014. Mais trabalho precisa ser feito na indústria para melhorar a saúde animal. O monitoramento contínuo dos processos usados na fazenda e nos resultados melhorará o sucesso da operação de criação de bezerras. Os estudos publicados pelo USDA NAHMS fornecem informações importantes sobre como as bezerras são criadas nos EUA e onde melhorias podem ser feitas no futuro.

Implicações importantes sobre os fatores que afetam a saúde de bezerras em aleitamento foram apresentadas pelos pesquisadores. Claramente, a concentração sérica de IgG – fornecida as bezerras durante as primeiras 24 horas de vida – desempenha um papel essencial na sobrevivência e na saúde. Para a maioria dos produtores, estabelecer e implementar os procedimentos corretos parar fornecer quantidades suficientes de colostro limpo precocemente proporcionará dividendos, tanto em termos de melhoria da saúde e sobrevivência, como também produção futura de leite.

A nutrição adequada (como indicado pelo aumento do risco de problemas de saúde durante o clima frio e aumento da mortalidade quando as bezerras foram alimentadas com ≤0,15 kg/d de gordura na dieta líquida) também é essencial para saúde da bezerra. Parece que quando as bezerras são alimentadas com energia insuficiente em relação às exigências nutricionais, a saúde da bezerra fica comprometida.

Finalmente, o peso ao nascer parece um critério importante para a saúde da bezerra. Bezerras pequenas parecem ter maior risco de doença e morte do que as bezerras que são mais adequadas à sua média da raça. Assim, uma bezerra Holandês pesando 35 kg no nascimento é provavelmente um risco maior em comparação a uma bezerra que pesou 45 kg no nascimento. Deve observar que as bezerras muito grandes – por exemplo, uma bezerra nascida com 50 kg ou mais – estavam provavelmente sub representadas no conjunto dos dados. Estas bezerras são mais propensas a nascerem de um parto difícil e são mais propensas a morrerem dentro das primeiras 24 horas. Portanto, elas não teriam sido incluídas no conjunto de dados usados para análise. Bezerras muito pequenas poderiam ter sofrido estresse no útero ou poderiam ter nascido prematuramente; ambas as condições são prejudiciais para a saúde da bezerra.

Referências

Urie, N. J., J. E. Lombard, C. B. Shivley, C. A. Kopral, A. E. Adams, T. J. Earleywine, J. D. Olson, and F. B. Garry. 2018a. Preweaned heifer management on US dairy operations: Part I. Descriptive characteristics of preweaned heifer raising practices. J. Dairy Sci. 101:9168–9184.

Urie, N. J., J. E. Lombard, C. B. Shivley, C. A. Kopral, A. E. Adams, T. J. Earleywine, J. D. Olson, and F. B. Garry. 2018b. Preweaned heifer management on US dairy operations: Part V. Factors associated with morbidity and mortality in preweaned dairy heifer calves. J. Dairy Sci. 101:9229–9244

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.