Calf Note 209 – Quanta energia há no meu concentrado?

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Traduzido por: Paula Tiveron, Carla Bittar e Rafael Azevedo

Introdução

O concentrado que oferecemos a um bezerro jovem é extremamente importante para que o animal comece da melhor maneira possível.  O concentrado de bezerros é apresentado de várias formas – farelado, peletizado, texturizado, entre outros.  Exemplos das formas comerciais mais comuns, texturizado e peletizado, estão nas Figuras 1 e 2, respectivamente. 

Figura 1. Ração texturizada contendo milho floculado, peletes, aveia laminada e melaço.

As rações devem ser formuladas com um objetivo específico em mente – fornecer os nutrientes que os bezerros precisam para manter seu peso corporal (manutenção) e crescer a uma taxa aceitável (crescimento). Antes do desaleitamento, o concentrado fornecerá apenas uma pequena fração do total de nutrientes consumidos pelo bezerro. À medida que o bezerro envelhece e a quantidade de dieta líquida (leite ou sucedâneo) é reduzida, a contribuição do concentrado para o suprimento total de nutrientes aumenta. Então, no desaleitamento, o concentrado se torna a única fonte de nutrientes (assumindo que não seja oferecida forragem). Assim, o conteúdo de nutrientes do concentrado e a disposição/capacidade do bezerro consumir quantidades suficientes de concentrado tornam-se extremamente importantes. Essa capacidade de consumir concentrado é especialmente importante quando os bezerros recebem grandes volumes de dieta líquida (>800 de sólidos por dia). O aumento da quantidade de dieta líquida atrasará a idade em que os bezerros começam a consumir o concentrado e a quantidade de concentrado consumido em uma determinada idade.

O que faz um bom concentrado?

Existem vários componentes críticos para concentrado de bezerros de qualidade. Eu discuti a qualidade e a composição do concentrado em  Calf Notes anteriores (#10, #47, #107, #109, #197, #202), mas um breve resumo aqui vale a pena.

Um bom concentrado deve ser palatável. Se um bezerro não gosta da forma e da fórmula, o restante da discussão é sujeito a controvérsia. A única maneira de um concentrado fazer algum bem a um bezerro é se o animal estiver disposto a comê-la. Portanto, ingredientes que reduzem a palatabilidade (por exemplo, proteínas animais, certos minerais e gorduras oxidadas) devem ser evitados. Algumas pesquisas sugerem que flavorizantes e adoçantes podem melhorar a palatabilidade, mas a pesquisa nem sempre é positiva. Geralmente, na minha experiência, muitos concentrados comerciais terão um agente de palatabilidade adicionado. Descrevi alguns problemas relacionados à palatabilidade das rações no Calf Note #47

A forma física também afeta a palatabilidade. Geralmente, os bezerros não gostam de concentrados farelados ou peletizados que contêm uma quantidade significativa de partículas finas (>5-10%). Alguns relatos não científicos sugerem que são preferidos mini pellets (3 mm de diâmetro) em relação à pellets maiores, embora outras afirmem que são preferidos pellets de 5 mm.

O manejo do concentrado é fundamental para promover a ingestão precoce e agressiva. O alimento deve ser trocado diariamente e a quantidade oferecida deve ser cuidadosamente monitorada para garantir o consumo a vontade, mas não tanto quanto causar desperdício. No início da vida, os bezerros consumirão pouco concentrado, mas ainda devem estar disponíveis para que o bezerro aprenda que o concentrado é uma fonte de alimento. 

Nutrientes no concentrado

Obviamente, o conteúdo de nutrientes do concentrado tem efeito profundo em sua capacidade de apoiar a manutenção e o crescimento. Um concentrado deve ser nutricionalmente completo, incluindo proteínas, energia, vitaminas e minerais. Muitos incluem vitaminas do complexo B em suas fórmulas, pois o rúmen imaturo pode produzir quantidade insuficientes dessas importantes vitaminas antes do desaleitamento e o desenvolvimento suficiente do rúmen. 

Embora seja possível analisar nutrientes como proteína bruta ou vitamina A em um concentrado para bezerros, determinar a quantidade de energia utilizável é um desafio diferente. Podemos determinar a quantidade de energia bruta em um alimento, queimando-o (em um dispositivo chamado bomba calorimétrica) e calculando a quantidade de energia (calorias ou joules) liberada. No entanto, a energia bruta não nos diz quanta energia está disponível para o animal. Na nutrição de bezerros, geralmente calculamos energia metabolizável (EM) como a quantidade de energia disponível para o metabolismo, determinando a quantidade de energia que é digerida (energia digestível) e metabolizada (energia metabolizável). A medição precisa da EM é conduzida experimentalmente em um laboratório de pesquisa em que fezes e urina podem ser coletadas dos animais de teste.

A maioria dos nutricionistas calculam EM de rações com um conjunto de equações que preveem a digestibilidade e metabolizabilidade de várias frações de nutrientes no concentrado. Uma abordagem popular é adotada pelo Conselho Nacional de Pesquisa na publicação de 2001 “Exigências nutricionais do gado leiteiro” (você pode baixar uma versão em PDF gratuita desta publicação aqui). O NRC usa uma série de cálculos com base na digestibilidade de vacas leiteiras em lactação e, em seguida, corrige esses cálculos para determinar o EM. A maioria dos valores relatados para EM em concentrados na literatura científica é baseada nesses cálculos.

Uma pergunta interessante a ser feita é: “as estimativas de EM, calculadas com equações derivadas para vacas leiteiras, são precisas para bezerros?”. A resposta a esta pergunta é o tópico deste Calf Note.

A pesquisa

Nos últimos anos, o grupo de pesquisa da Provimi North America conduziu vários ensaios de pesquisa em que mediram a digestibilidade de nutrientes em bezerros alimentados com diferentes programas de dieta líquida e concentrado. O objetivo desses ensaios foi entender melhor a disponibilidade de nutrientes (e, portanto, o crescimento) de bezerros alimentados com níveis moderados e altos de sucedâneo, bem com a composição de amido e fibras no concentrado. Os resultados desses estudos ajudaram a melhorar nossa compreensão da nutrição durante o desaleitamento e a formular melhores concentrados para um crescimento ideal. A digestibilidade também é importante para o cálculo da EM. Portanto, embora nossa intenção original não fosse calcular a EM no concentrado de bezerros, percebemos que tínhamos a maioria das informações necessárias para avaliar o conteúdo de EM das rações e determinar se esse valor foi alterado ao longo do tempo. Assim, desenvolvemos uma série de modelos de digestão (Quigley et al., 2019a) para determinar a melhor forma de estimar a EM real do concentrado de bezerros. Utilizamos três experimentos publicados e um total de 207 mensurações individuais de digestibilidade em bezerros de 3 a 16 semanas de idade para desenvolver nossos modelos. Utilizamos uma série de técnicas matemáticas e calculamos o EM em concentrados em cada bezerro em cada período de tempo. Chamamos esse valor de EMr. O EMr não era um valor fixo, mas variava de acordo com o animal e a idade. Como base de comparação, o EM também foi estimado usando os cálculos do NRC. Chamamos esse valor de EMnrc. Finalmente, calculamos a proporção de EMr/EMnrc. Pensamos que se a proporção fosse de aproximadamente 1, a quantidade de EM extraída das rações (os EMr) era igual à prevista pelo NRC (EMnrc). Isso pode sugerir o ponto em que o trato gastrointestinal estava suficientemente “maduro”.

Finalmente, analisamos os vários fatores que podem influenciar a mudança nas EMr. Foram avaliados fatores como idade, ingestão de sucedâneo e ingestão de diferentes nutrientes do concentrado (MS, proteína, FDN e carboidrato não fibroso).

Os Resultados

Quando a EMr foi calculada usando as medições reais de digestibilidade do concentrado, os valores de EM pareciam muito diferentes dos previstos pelo NRC. Fizemos várias observações interessantes que são descritas abaixo.

Digestão do concentrado é baixa no início da vida. Descobrimos que, no início da vida, os bezerros não digeriam muito bem os nutrientes do concentrado. Isso não é uma grande surpresa, já que o rúmen não está funcionando (muito) antes do desaleitamento e muitos sistemas digestivos intestinais (por exemplo, produção de amilase pancreática) também são imaturos no início da vida.

Digestão dos nutrientes mudou em diferentes taxas. Nosso cálculo da digestão de proteínas e gorduras no concentrado de bezerros (excluindo a contribuição do sucedâneo) indicou que a digestão desses nutrientes no concentrado também era baixa no início da vida, mas aumentava rapidamente. Por outro lado, a digestão do FDN aumentou mais lentamente e dependia do tipo de alimento oferecido. Assim, parece que é importante entender a digestão variável de cada componente das equações para calcular a EM. 

EM aumentou com o aumento da ingestão. Como você pode ver na Figura 3, nossos EMr calculados aumentaram com o aumento da ingestão de CNF (carboidrato não fibroso). O aumento foi curvilíneo e apareceu atingir um pico de aproximadamente 3,2 a 3,5 Mcal de EM/kg de MS. Isso é muito interessante, porque esse valor é muito semelhante às estimativas feitas pelo NRC.

O aumento da digestão (e a EM calculada) com o aumento da ingestão e do desenvolvimento do rúmen é consistente com nossas teorias sobre o que impulsiona o desenvolvimento do rúmen. Esses dados sustentam nossa ideia de que a ingestão de concentrado (e, principalmente, CNF) é muito importante para preparar o bezerro para o desaleitamento.

Ingestão de CNF foi mais importante. Avaliamos os efeitos da ingestão de vários nutrientes do concentrado de bezerros na EM calculada e descobrimos que a ingestão de CNF era mais importante. Isso também é bastante lógico. O carboidrato não fibroso contém amido, açúcares, e outras frações não fibrosas de carboidratos (a Penn State tem uma excelente revisão de carboidratos na nutrição de ruminantes). Nosso entendimento atual é que a fermentação no rúmen, particularmente os componentes do concentrado que produzem butirato e propionato, são essenciais para o desenvolvimento do rúmen. Sabemos que o componente CNF do concentrado é fermentado mais rapidamente no rúmen jovem e provavelmente produz propionato e butirato. Quando esse fator foi considerado em nosso modelo, outros fatores (idade, peso corporal, ingestão de sucedâneo, etc) não foram significativos. Além disso, outros nutrientes presentes no bezerro (proteína, gordura e FDN) não foram tão importantes quanto o CNF.

Ingestão cumulativa foi mais importante. Avaliamos muitos fatores diferentes que influenciaram a mudança na EMr, mas o fator mais importante foi a ingestão cumulativa de CNF. Calculamos a ingestão cumulativa como ingestão de CNF pelo bezerro desde o nascimento até o final de cada medição do período de digestão. Calculamos a ingestão cumulativa de MS e, em seguida, multiplicamos esse número pelo conteúdo de nutrientes do concentrado para calcular a ingestão cumulativa de CNF, a ingestão de FDN, etc. Quando comparamos esses valores com a alteração de EMr, descobrimos que a ingestão cumulativa de CNF era mais importante que todos os outros fatores. 

A ideia por trás dessa descoberta é que o rúmen se desenvolve em resposta a TODO concentrado que um bezerro consome, e não apenas o concentrado que o bezerro consome em um determinado dia. Considere – muitos especialistas e consultores de bezerros recomendam que os bezerros sejam desaleitados quando consumirem uma quantidade específica de concentrado – digamos, 1 kg/dia por 2 ou 3 dias. Nossos dados sugerem que não é importante o consumo 1 kg de concentrado per se, e sim a quantidade total de CNF consumido pelo bezerro. Achamos que isso também é consistente com a biologia do desenvolvimento ruminal e a preparação para o desaleitamento.

15 kg é a chave. Na Figura 4, podemos ver a proporção de EMr/EMnrc para bezerros que consomem até cerca de 30 kg de CNF cumulativo. Uma avaliação cuidadosa da linha sugere que, quando os bezerros consomem cerca de 15 kg de CNF cumulativo, a proporção de EMr/EMnrc = 100%. Este poderia ser o ponto em que o trato gastrointestinal (e, especialmente, o rúmen) é suficientemente maduro para que os bezerros sejam capazes de extrair a quantidade de energia do concentrado que prevemos para animais maduros. Este pode ser um momento apropriado para desaleitar um bezerro.    

Quando os bezerros estão prontos para serem desaleitados? Em cada experimento, calculamos a idade em que os bezerros atingiram 15 kg cumulativos de ingestão cumulativa de CNF. A idade variou de cerca de 54 a 64 dias e dependia da quantidade de sucedâneo alimentado (mais sucedâneo geravam atraso na ingestão de CNF) e da composição do concentrado (com alta fibra também reduziam a ingestão de CNF). Portanto, para usar esses dados para tomar decisões de desaleitamento, é importante conhecer o conteúdo CNF do concentrado. Uma abordagem para estimar 15 kg de ingestão de CNF será tema de um futuro Calf Note. 

Entretanto, é instrutivo saber que tipo de carboidratos estão presentes nos concentrados de bezerros usados na fazenda. As formulações variam amplamente, dependendo do custo e da forma. Geralmente, com baixo custo, os alimentos peletizados conterão maiores quantidade de FDN e os alimentos texturizados contendo grãos integrais conterão maiores quantidade de CNF. No entanto, essas são generalizações e é importante discutir com o fornecedor de concentrado.

Certamente é possível desaleitar um bezerro antes do consumo de 15 kg de CNF. Entretanto, nossos dados sugerem que o animal será menos eficiente na obtenção de energia do concentrado e poderá crescer mais lentamente até o desenvolvimento do rúmen atingir maturidade suficiente (possivelmente com 15 kg de ingestão de CNF).

Resumo

Nossa pesquisa publicada no Journal of Dairy Science contribuiu com algumas novas ideias sobre como os bezerros se desenvolvem e como devemos pensar na preparação para o desaleitamento. Uma ideia importante é que os bezerros não têm a capacidade de extrair energia da dieta no início da vida, e essa habilidade se desenvolve com o avanço da ingestão de CNF. Podemos superestimar a contribuição de EM de concentrado no início da vida.

Compreender a composição das rações (principalmente a fração de carboidratos) e a quantidade consumida nos ajudará a preparar os bezerros de maneira mais apropriada para o desaleitamento e reduzir a depressão pós-desaleitamento no crescimento que ocorre normalmente.

Referências

Quigley, J. D., W. Hu, J. R. Knapp, T. S. Dennis, F. X. Suarez-Mena, and T. M. Hill. 2019a. Estimates of calf starter energy affected by consumption of nutrients. 1. Evaluation of models to predict changing digestion on energy content in calf starters. J. Dairy Sci. 102:2232–2241.

Quigley, J. D., W. Hu, J. R. Knapp, T. S. Dennis, F. X. Suarez-Mena, and T. M. Hill. 2019b. Estimates of calf starter energy affected by consumption of nutrients. 2. Effect of changing digestion on energy content in calf starters. J. Dairy Sci. 102:2242–2253.

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