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Traduzido por: Paula Tiveron e Rafael Azevedo
Introdução
O Sistema Nacional de Monitoramento de Saúde Animal do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (NAHMS) realiza pesquisas anuais sobre a agropecuária nos Estados Unidos. De tempo em tempos, realizam pesquisas sobre práticas de manejo de bezerras e novilhas. É uma oportunidade fantástica para entender o “estado da indústria” nos EUA e, usando dados de estudos anteriores, determinar a taxa de mudança em termos biologicamente e economicamente importantes.
Em 2018, uma série de manuscritos foram publicados no Journal of Dairy Science, que forneceu os resultados dos mais recente estudo do NAHMS sobre o tratamento de bezerras antes do desaleitamento. Esses artigos relatam os resultados de investigação e fornecem informações importantes sobre como estamos indo na indústria de leite nos EUA. Esse Calf Note revisará os fatores relacionados à qualidade do colostro e à imunidade passiva em fazendas de leite nos EUA.
A Pesquisa
Durante 2014, o USDA pesquisou 104 diferentes fazendas leiteiras, em 13 estados. As fazendas foram divididas em oeste (Califórnia, Colorado e Washington) e leste (Iowa, Michigan, Minnesota, Missouri, Nova York, Ohio, Penssilvânia, Vermont, Virgínia e Wisconsin). A pesquisa durou mais de 1,5 anos e acompanhou bezerras desde o nascimento até o desaleitamento. Os dados referentes ao colostro e IgG sérica foram coletados em 1.972 bezerras da raça Holandês. Observe que as bezerras precisam estar vivas às 24 horas de idade para serem incluídas no estudo; portanto, bezerras nascidas mortas ou aquelas que morreram antes da coleta de sangue para a concentração sérica de IgG não foram incluídas. Apenas as fêmea foram incluídas na pesquisa. Os pesquisadores monitoraram a qualidade do colostro e a IgG sérica (isto é, transferência de imunidade passiva), bem como outras práticas de manejo, ambiente e alimentação. Em seguida, eles avaliaram os dados estatisticamente para determinar quais fatores afetaram desfechos importantes, incluindo fatores que afetam a qualidade do colostro e o nível de IgG sérica após as 24 horas de idade. Em outros aspectos do estudo do NAHMS, ambas as bezerras de Jersey e Holandês foram utiizadas. No entanto, para os aspectos colostrais, apenas bezerras Holandês foram utilizadas. Mais informações sobre os métodos usados para coletar informações das afzendas estão disponíveis em Shivley et al. (2018).
Qualidade do Colostro
Vamos dar uma olhada na qualidade geral do colostro relatado no estudo. A concentração média de IgG no colostro foi de 74,4 g/L (EP = 0,72), e 77,4% das amostras apresentaram IgG >50 g/L (Figura 1), em um significativo número de observações (n = 1.972), dando boa confiança nesses valores. A média e a variação são maiores que a média e a variação (68,8 g/L, SE = 1,1) relatada por Morrill et al. (2012), os quais realizaram avaliação nacional da qualidade do colostro em 2012. Esses pesquisadores mediram a IgG do colostro em 827 amostras coletadas de 67 fazendas em 12 Estados; o estudo do USDA coletou amostras de 104 fazendas em 13 Estados (não são todos os mesmos Estados). Morill et al. (2012), relataram que 71% das amostras de colostro tinham concentação de IgG ≥50 g/L, semelhante à proporção do estudo do USDA (77%).
Dados mais recentes da Pensilvânia (Kehoe et al., 2011) também sugerem que a qualidade colostral melhorou (média = 96,1 g de IgG/L) em fazendas bem manejadas e uma proporção maior (90%) de amostras de colostro superaram a meta de 50 g de IgG/L. Todos esses grandes estudos são um pouco diferentes de outros estudos menores na literatura que frequentemente relataram concentrações de IgG colostral muito menores, frequentemente com dados de uma única fazenda (por exemplo, Abel et al., 1993) ou uma região do país (Kehoe et al., 2007) (Nota: mais informações sobre este estudo estão disponíveis em Calf Note #133). Além disso, Gulliksen et al. (2008) relataram que a concentração média de IgG no colostro em 1.250 vacas leiteiras norueguesas (a maioria das vacas eram norueguesas vermelhas) foi de 45 g de IgG/L de colostro, significativamente menor do que relatos mais recentes com gado Holandês.
Os pesquisadores do estudo do NAHMS avaliaram várias variáveis ambientais e de manejo diferentes; no entanto, apenas dois fatores foram estatisticamente importantes para a variação observada na qualidade do colostro (concentração de IgG) – a fonte de colostro e o índice de estresee térmico (índice temperatura-umidade).
Os efeitos pré-parto sobre a concentração de IgG no colostro não estão bem definidos. O estudo do NAHMS indicou que o colostro coletado quando a média do índice de temperatura-umidade (ITU) indicou estressse térmico para vacas durante o mês anterior ao parto produziu colostro com maior concentração de IgG que vacas com ITU na zona termoneutra. Os autores hipotetizaram que o estresse térmico causou vasodilatação nos úberes de vacas durante a colostrogênese (3 semanas antes do parto), permitindo que mais IgG passasse para o úbere durante a formação do colostro. Entretanto, outras pesquisas na literatura não suportam esse achado. Morrill et al. (2012) relataram que o colostro coletado de fazendas nos meses de verão no sul dos EUA tinha concentrações mais baixas de IgG comparado ao colostro coletado de fazendas no norte dos EUA. Igualmente, Tao et al. (2012) relataram que vacas que foram expostas a estresse térmico na Flórida produziram colostro com a mesma concentração de IgG em comparação com vacas nas mesmas instalações que foram resfriadas. Assim, a ideia de que o estresse térmico pode melhorar a concentração de IgG colostral, como concluiu Shivley et al. (2018) requer uma avaliação adicional. Além disso, outros (por exemplo, Dunn et al., 2017) mostraram que a alimentação pré-parto e o ambiente durante o período seco têm pouco efeito sobre a concentração de IgG no colostro.
O estudo do NAHMS também concluiu que o colostro de vacas de terceira ou mais lactações tinham maior concentração de IgG em comparação com as vacas mais jovens, substitutos do colostro ou pool de colostro de origem desconhecida (Figura 2). Este achado é consistente com muitos outros estudos na literatura que relataram que o colostro de vacas mais jovens (1ª e 2ª lactação) é geralmente menor na concentração de IgG que o colostro de vacas mais velhas. Vale ressaltar, no entanto, que o a concentração de IgG média em colostro de vacas de primeira lactação foi em média de 72,3 g/L – bem acima da meta de 50 g/L que consideramos colostro de boa qualidade. Assim, faz sentido testar rotineiramente o colostro com refratômetro e considerar o uso de colostro dos animais da primeira lactação, se for satisfatório na concentração de IgG.
Os autores do NAHMS relataram que não houve diferença significativa entre as diferentes regiões avaliadas no estudo, em relação a qualidade do colostro. Isso difere da pesquisa de Morrill et al. (2012), que relatou que o colostro de vacas no Sudeste (CA, AZ, TX) foi menor em IgG que em vacas no Centro-oeste ou Nordeste.
Concentração Sérica de IgG
Pesquisadores do NAHMS também coletaram sangue de 1.623 bezerras da raça Holandês. A IgG sérica foi de 21,6 g/L (EP = 0,25) e 73,3% das bezerras apresentaram concentrações de IgG ≥15 g/L. Bezerras com concentração de IgG <10 g/L (considerados como falha de transferência passiva) foram relatados em 12,1% das bezerras.
Que a grande maioria das bezerras tinha concentração sérica de IgG ≥15 g/L é uma ótima notícia. Bezerras com IgG suficiente (>10 g/L; considerada transferência passiva bem-sucedida) são menos suscetíveis a adoecer e a morrer. Alcançar altas concentrações séricas de IgG é o objetivo final de todo bom programa de colostro – é por isso que coletamos, processamos e manipulamos cuidadosamente o colostro. É também por isso que fornecemos cedo (dentro de 1 hora de nascimento, se possível) e fornecemos o suficiente para garantir a bezerra 150-200 gramas de IgG nas primeiras 24 horas de vida. Esses dados sugerem que, nos EUA, os processos são mais utilizados para melhorar o manejo do colostro.
Deve-se notar que esses dados são específicos para bezerras Holandês– os pesquisadores não incluíram dados para bezerros touros em suas análises e nem dados de outras raças. A inclusão de IgG sérica de bezerros provavelmente reduziriam as médias gerais.
A equipe de pesquisa também analisou os fatores que afetaram a aquisição de imunidade (ou seja, IgG sérica) nas bezerras. Os fatores que foram estatisticamente importantes para a variação na concentração sérica de IgG neste conjunto de dados foram região, pasteurização, fonte de colostro, idade de alimentação, volume alimentado, idade da coleta de sangue e IgG do colostro.
Região. A IgG sérica foi maior na região oeste (23,5 e 21,5 g de IgG/L de soro, respectivamente para as regiões oeste e leste dos EUA). A razão para essa diferença não é clara, pois a concentração de IgG no colostro não variou de acordo com a região do país no estudo do NAHMS. É possível que as diferenças nas práticas de alimentação ou manejo do colostro nos laticínios ocidentais possam ser responsáveis pelo aumento da IgG sérica.
Pasteurização. A IgG sérica foi maior nas bezerras alimentadas com colostro pasteurizado em comparação com o colostro não pasteurizado (24,4 vs. 20,5 g/L, respectivamente). Muitas pesquisas demonstraram que a IgG sérica é melhorada quando bezerras são alimentadas com colostro que foi pasteurizado. Mais informações sobre pasteurização estão disponíveis nos Calf Notes #96 and #200.
Idade na alimentação. Para cada 1h de atraso após o nascimento para alimentação do colostro, a IgG sérica diminuiu 0,32 g/L (EP = 0,11). Esse achado é muito consistente com a ideia de que, à medida que as bezerras envelhecem, sua capacidade de absorver imunoglobulinas diminui até cerca de 24 horas de vida, quando essa capacidade é perdida. O processo de maturação do intestino é chamado de “fechamento do intestino”. Os fatores associados ao fechamento não são completamente conhecidos, mas envolvem (pelo menos) o desenvolvimento de secreção enzimática intestinal, renovação das células intestinais imaturas (que podem absorver macromoléculas) com células maduras que perderam a capacidade e desenvolvimento de enzimas no intestino, e desenvolvimento de enzimas nas células intestinais que digerem IgG. Esse achado reforça a crença de que “quanto antes melhor”.
Fonte de colostro. A IgG sérica foi mais alta em bezerros que receberam colostro de mãe de primeira lactação (média = 25,7 g/L, ep = 1,11) e menor para bezerros alimentados com substituto comercial de colostro (média = 16,6 g/L, ep = 2,21). Espere! Embora o substituto do colostro faça sentido (a concentração de IgG dos substitutos foi menor neste estudo do que as amostras de colostro testadas pelos pesquisadores), a descoberta de que o IgG sérico de bezerras alimentadas com colostro de vacas de primeira lactação é contra intuitiva. Uma rápida olha na Figura 2 mostra que as vacas da 1ª lactação produziram colostro, em média, com o menor teor de IgG. Por que suas bezerras teriam a maior concentração sérica de IgG? A resposta é provável pelo fato de que, em geral, as vacas de primeira lactação produzem bezerras menores. É importante lembrar que a concentração sérica de IgG depende do volume sanguíneo a ser medido – ou seja, gramas de IgG por litro do soro. O volume sérico (ou plasma) é uma função do peso corporal/tamanho da bezerra. Se colocarmos 50 gramas de IgG em uma bezerra com 3 L de plasma ela terá uma concentração maior de IgG sérica (50/3 = 16,7 g/L) em comparação com os mesmos 50 gramas de IgG em uma bezerra com 4 L de plasma (50/4 = 12,5 g/L). Bezerras menores são mais típicas de vacas menores de primeira lactação, então essa explicação faz sentido biológico.
Volume fornecido. Os autores relataram que o maior consumo de colostro resultou em maior concentração sérica de IgG. Faz sentido. Há, é claro, um limite superior para a quantidade de colostro que podemos ou devemos fornecer para bezerras recém-nascidas – uma boa recomendação para uma bezerra holandesa de 40 kg é administrar aproximadamente 4 L de colostro na primeira mamada (por sonda esofágica ou mamadeira) e oferecer (não force a alimentação) uma segunda mamada de 2 L às 12h de idade. As bezerras menores (por exemplo, Jersey) devem ser oferecidos proporcionalmente menos colostro (por exemplo, uma bezerra Jersey de 25 kg pode ser alimentada com 2,5 L na primeira mamada, o que equivale a 10% do peso corporal).
Idade na amostragem. Essa é uma observação interessante que tem algumas implicações práticas em como administrarmos o programa de colostro. Os autores descobriram que, à medida que as bezerras envelhecem além de 24 horas, suas concentrações sérias de IgG diminuem linearmente (cerca de 0,7 g/L por dia). Isso significa que, se eu medir a IgG sérica de bezerras aos 10 ou 15 dias de idade, os resultados que eu estou avaliando não estarão corretos. Então, qual é o melhor momento para mensurar a IgG sérica? Geralmente, quanto mais próximo de 24 horas (mas depois de 24h), melhor. Consideramos 24 horas de idade do fechamento do intestino. Esta é a idade em que não há mais absorção no sangue. No entanto, as IgG no soro não são estáticas – elas são usadas para proteger o corpo de patógenos causadores de doenças. Portanto, eles são gradualmente usados e a concentração sérica diminui com o tempo. As imunoglobulinas também deixam a circulação e se movem para outras partes do corpo para protegê-la de patógenos. Não há muita mudança entre 1 e 5 dias, então se você está medindo nesse intervalo de tempo, provavelmente está bom. Lembre-se também de que estamos procurando por grandes diferenças na concentração sérica de IgG. As ferramentas que usamos para monitorar a IgG sérica na fazenda (refratômetro de proteína total ou refratômetro Brix) não são perfeitas. Diferenças entre, por exemplo, 10,5 e 10,6 de IgG/L do soro não são tão significativas. No entanto, a diferença entre 15 g de IgG/L e 5 g/L é significativa.
IgG do Colostro. Como seria de esperar, a alimentação do colostro com mais IgG resultou em maior IgG sérica nas bezerras. Os autores relataram que para cada aumento de 10 g/L na concentração de IgG no colostro, a IgG sérica aumenta em 1,1 g/L. Esta é uma importante mensagem do estudo. Sabemos que o IgG do colostro é notavelmente variável – e afeta o objetivo final de um programa de colostro – bezerras com transferência passiva bem-sucedida. Portanto, monitorar a qualidade do colostro com um refratômetro Brix é um importante passo na gestão para melhorar a saúde dos bezerros. Para obter mais informações sobre o uso do refratômetro Brix, consulte os Calf Notes #183 and #199.
Resumo
O estudo do NAHMS fornece uma visão abrangente do estado atual da criação de bezerras nos Estados Unidos. Na maior parte, a notícia é promissora. A qualidade do colostro é superior a muitos relatórios anteriores e, em média, as concentrações séricas de IgG também são mais altas. A proporção de bezerras com FTP está em declínio, o que é apenas uma boa notícia para os agricultores e suas bezerras. Uma chave retirada dos dados, no entanto, é que ainda há variação considerável na aquisição da imunidade passiva. Existem muitas variáveis na equação geral que estão sujeitas a variações significativas, que precisam ser gerenciadas usando-se protocolos. A implementação de protocolos de gestão de colostro claros, escritos, simples e consistentes, sem dúvida, tem ajudado a melhorar o estado de criação de bezerras nos EUA.
Referências
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